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Foto do escritorAndré Nogueira

Trading - um jogo de soma zero | #09

Atualizado: 26 de set.

Por que não há espaço para todos vencerem no trading e por que isso é diferente nos investimentos de longo prazo em ações.


Antes de qualquer coisa, preciso esclarecer que considero trading e investimento coisas distintas. Investimento é o ato de investir o dinheiro em um negócio, ou empresa, com o objetivo de que aquele dinheiro seja utilizado para produzir — para criar riquezas. Trading se refere a comprar e vender papéis, e nada além disso (diferente de fazer comércio). Esclarecer também que considero como curto prazo qualquer prazo em que os fundamentos não tenham sido alterados significativamente (se fosse escolher um período, seria o tempo menor que um ano).


O que é um "jogo de soma zero"? Essa é uma situação em que, para que uma pessoa ganhe, outra precisa necessariamente perder.


Imagine a seguinte situação. Nonô possui 10 papéis (esse papel poderia ser qualquer ativo — uma ação, uma commodity, uma moeda). E Maria também possui 10 papéis. Esses 20 papéis, nas mãos de Nonô e Maria, são todos os papéis disponíveis no mercado. Esse mercado consiste, basicamente, em apenas eles dois. Agora, Nonô quer vender alguns desses papéis para Maria, e eles concordam no preço de $1 por papel na venda de 5 papéis. Depois da transação, Maria fica com 15 papéis, avaliados a $1 por papel — portanto, seus papéis valem $15 ao todo — ao passo que Nonô fica com 5 papéis que valem, somados, $5. Maria gastou $5 e Nonô recebeu $5.


(Tendo sido feito esse negócio, concluímos que o valor total desse mercado é de $20. E o valor transacionado no dia foi de $5).


No dia seguinte, Nonô resolve recomprar os 5 papéis. O problema é que Maria não tem interesse em vender os 5 papéis de volta para Nonô. Então, Nonô oferece um valor 20% maior por papel ($1,20 por papel). Maria pondera e considera essa uma oferta razoável. E então, vende os 5 papéis de volta para Nonô por um valor de $1,20 por papel, o que custou um total de $6 para Nonô.


No resumo, Nonô perdeu $1 e Maria ganhou $1. Ambos terminaram com 10 papéis cada. Sempre que alguém quiser obter um lucro nesse mercado, outro precisa, necessariamente, assumir um prejuízo na mesma proporção.


Assim funcionam as negociações de papéis no curto prazo. É impossível que todos ganhem ao mesmo tempo, pois é matemática. Existe apenas um número limitado de papéis. Seria impossível que Maria tivesse um lucro de $1 e Nonô também. Pois de onde viria o lucro dos dois? Como isso poderia, possivelmente, acontecer?


Esse é um exemplo extremamente simples, mas que mostra por que o trading é um jogo de soma zero. Na proporção do exemplo acima, 50% das pessoas ganharam (Maria) e 50% perderam (Nonô). Na prática — na vida real — os mercados são formados por milhões de pessoas e instituições e milhões de "papéis". Em vista disso, o que acaba acontecendo, na realidade, é que apenas uma minoria de pessoas tira dinheiro de uma maioria de pessoas.


Imagine que existissem mais duas pessoas no exemplo. Além de Maria e Nonô, temos Pedro e Ana. Dessa vez, digamos que cada um deles possua 5 papéis, somando 20 papéis ao todo. Digamos que Maria, sabendo que a maioria das pessoas perdem dinheiro no curto prazo, opta por fazer a contraparte das negociações. No início do dia, aparece Nonô querendo comprar um papel de Maria (imaginando que o valor do papel vá subir). Então, Nonô compra um papel de Maria por $1. Ninguém mais parece interessado na compra. Então, imaginando que o papel vá perder valor, Pedro e Ana se oferecem para vender um papel (cada) para Maria. Visto que os dois estão competindo quem é que consegue vender mais barato, Ana ofereceu $0,98 e vendeu para Maria. Pedro acabou tendo que vender por $0,98 também. Agora, Maria possui 6 papéis; Pedro e Ana possuem 4 papéis cada um; e Nonô possui 6.

Quem

Papéis Período 0

Compras

Vendas

Papéis Período 1

​Maria

​5

2

(1)

6

Nonô

5

1

-

6

Pedro

5

-

(1)

4

Ana

5

-

(1)

4


No final do dia, Nonô vai falar com Maria novamente para vender o papel que comprou. Mas Maria disse que o papel estava avaliado em $0,98. Então, Nonô oferece $0,99, aceitando um prejuízo de $0,01. Maria aceita a oferta. Mais tarde, ao chegarem para recomprar o papel, Pedro e Ana se deparam com um valor de mercado de $0,99. Mas, visto que os dois criam uma competição de quem consegue comprar, Pedro ofereceu $1 — que Maria aceitou — e Ana acabou tendo que pagar $1 também.

Quem

Papéis Período 1

Compras

Vendas

Papéis Período 2

Maria

6

1

(2)

5

Nonô

6

-

(1)

5

Pedro

4

1

​-

5

Ana

4

1

-

5


No fechamento do dia, as contas ficaram assim:


Maria vendeu 1 papel para Nonô por $1 e o recomprou por $0,99.

Maria lucrou $0,01 e Nonô perdeu $0,01.


Maria comprou um papel de Pedro por $0,98 e o revendeu por $1.

Maria lucrou $0,02 e Pedro perdeu $0,02.


Maria comprou um papel de Ana por $0,98 e o revendeu por $1.

Maria lucrou $0,02 e Ana perdeu $0,02.


Maria lucrou um total de $0,05.

Nonô perdeu $0,01.

Pedro perdeu $0,02.

Ana perdeu $0,02.



Nesse novo mercado, 25% das pessoas (Maria) ganhou dinheiro de 75% das pessoas (Nonô, Pedro e Ana).


Essa é a maneira em que as minorias acabam ganhando dinheiro das maiorias. Esses que ganham, normalmente são aqueles que juntam a maior quantidade de informações possíveis e que possuem maior potência computacional, como algorítmos HFT (High Frequency Trandig), e corretoras — através de corretagens ou fazendo a contraparte das operações (sabendo que a maioria das pessoas perdem dinheiro no curto prazo, por vezes as corretoras optam por fazer a contraparte das negociações). E isso acontece em qualquer negociação de papéis de curto prazo — uma minoria ganha da maioria. Costumeiramente, quanto mais curto o prazo de negociação, maior o tamanho da maioria que perde dinheiro. A exemplo, um estudo da FGV mostra que 97% das pessoas perdem dinheiro com Day Trade. Uma matéria da CNBC revela vários estudos com conclusões semelhantes.


É tolice crer que alguma entidade maligna quer que o pequeno trader perca dinheiro. A realidade é que os movimentos de curto prazo são aleatórios — seguem a lei da oferta e demanda. Se houver mais pessoas querendo comprar, isso fará com que os compradores compitam entre si (sobre quem está disposto a pagar mais) e o preço sobe e; se houver mais pessoas querendo vender, haverá uma competição entre quem pode vender mais barato, pressionando os preços para baixo. Simples assim! E ninguém sabe para que lado o mercado vai.


Oferta e demanda regem todas as economias e todos os mercados. A lei da oferta e demanda é uma lei natural e imutável, que não pode (e nem deveria) ser distorcidda. Qualquer distorção forçada sobre oferta ou demanda causa um desequilíbrio no mercado. Por exemplo, se alguém estipula que o preço máximo de um produto deve ser menor que o preço de equilíbrio, sem dúvidas esse produto ficará em falta em algum momento no futuro — o novo equilíbrio, nesse caso, será a escassez.


Da mesma forma funciona o mercado de capitais. Alguns creem que manipuladores¹ são quem ditam os preços. Mas, por mais que manipulações aconteçam com certa frequência, manipuladores não podem fazê-lo por muito tempo. Não é possível carregar uma "mentira" por tempo demais. Como diria Ayn Rand: "Você pode ignorar a realidade, mas não pode ignorar as consequências de ignorar a realidade". O que eu quero dizer? Manipulações nada mais são do que "mentiras" e, eventualmente, se um manipulador levar a "mentira" longe demais, a "bomba" explodirá em suas próprias mãos. Verdades vêm à tona e, no longo prazo, os preços seguem os resultados. Ao realizar negociações de curto prazo, o trader estará mais suscetível a cair em manipulações¹.


¹ Práticas de manipulação e uso de informações privilegiadas (insider trading) são ilegais, passíveis de multa e prisão. Manipulações acontecem mais frequentemente em mercados pouco líquidos. Quanto maior o tamanho e liquidez de um mercado, maior será a dificuldade de manipulá-lo.




Por Que No Longo Prazo Seria Diferente?


Se estivermos falando de empresas, no longo prazo elas criam riquezas — produzem. Diferente da negociação de papéis — em que você compra e vende papéis que são iguais entre si (fungíveis) — os comércios dos mercados e economias não são jogos de soma zero. Cada vez que você troca dinheiro por um bem ou serviço, aquele dinheiro é utilizado para criar mais bens e serviços. Seja através da demanda, seja através da oferta. A população enriquece com a introdução de mais bens e serviços no mercado e a economia cresce.


Imagine uma empresa que produz alimento. Se a população crescer, a demanda por alimento também cresce. Digamos que a população cresce a uma taxa de 3% ao ano e que a taxa de crescimento dessa empresa também seja de 3% ao ano. Esse é um crescimento bem modesto. Imagine comprar ações dessa empresa por 10 vezes o lucro (se o lucro for $100, a compra foi por $1.000). 25% dos lucros ela paga em dividendos (se o lucro for $100, $25 será pago em dividendos).


Por 40 anos, a empresa se manteve estável e seguiu o crescimento de 3% ao ano, pagando 25% dos lucros em dividendos. Considerando que o lucro também cresce a 3% a.a., isso significa que, 40 anos depois, os lucros são de $326 (anual). Se você deixou o dinheiro investido por todos esses anos, você recebeu um total de $1.966 em dividendos e, se vender a empresa pelas mesmas 10 vezes lucro, receberá $3.260 pela venda; somando um valor total de 5.226. Caso você reinvestisse todos os dividendos recebidos e as ações negociassem a 10 vezes lucro, seu investimento valeria $8.758 ao final dos 40 anos e ainda receberia o 40º dividendo no valor de $218, somando, ao todo $8.976.


Pergunte-se: por que houve esse crescimento? Pare um instante para pensar. Com a demanda cada vez maior, a empresa pôde vender e produzir cada vez mais e expandir o negócio. Essa expansão tornou o negócio mais valioso. A quantidade de papéis negociados pode ter se mantido exatamente a mesma. Qualquer um que investisse na empresa e mantivesse o investimento por esses 40 anos, veria suas ações se valorizarem. Alguém que comprou ações da empresa no ano 20 e vendeu no ano 40 também viu o dinheiro se valorizar. A empresa cresceu e agora produz mais e vende mais, portanto, vale mais. Qualquer pessoa que investisse na empresa e esperasse o crescimento acontecer poderia vender o negócio por um valor maior do que comprou, isto é, todos podem sair ganhando com esse negócio (inclusive a população, cujo alimento provem, pelo menos em parte, da produção dessa empresa).


Compreenda: as empresas introduzem novas riquezas na sociedade em troca do dinheiro dos clientes. Essa é uma troca de benefício mútuo, em que ambos os lados saem ganhando. A sociedade recebe as riquezas, e a empresa recebe o dinheiro — dinheiro que pode ser utilizado para criar mais riquezas através de investimentos e expansão, bem como para pagar seus sócios e funcionários, gerando renda para a população.


A medida que mais e mais riquezas são introduzidas na sociedade, mais acessíveis elas se tornam (visto que, com a produção, a escassez de riquezas diminui) e, o dinheiro, por sua vez, passa a ter maior poder de compra (desde que a oferta de dinheiro não aumente desproporcionalmente²).


No entanto, todo esse processo não acontece num curto prazo. De um mês para o outro é difícil concluir se o crescimento de vendas de uma empresa é algo extraordinário, ou se aquilo continuará a acontecer por anos a fio. Essa mudança é notável apenas em prazos mais longos.



² Idealmente, a oferta de dinheiro deveria crescer em mesma proporção que o crescimento da oferta e demanda de uma economia (ou ligeiramente acima dela), visto que uma deflação esfriaria a economia — por desincentivar a produção — e uma inflação exagerada geraria insegurança generalizada.


Observe este gráfico:

Fonte: Stocks For The Long Run; livro de Jeremy Siegel.
Retornos reais, acima da inflação. O gráfico está em escala logarítmica.


Repare que os investimentos mais rentáveis são aqueles em que o dinheiro investido é utilizado para criar riquezas ou para fazer o dinheiro girar na economia de alguma maneira: ações ("stocks") e dívidas ("bonds" e "bills") — o dinheiro de dívidas é utilizado por empresas e governos para, idealmente, produzir.


Moedas, por outro lado, perdem valor ao longo do tempo. E o ouro dá para se dizer que é uma reserva de valor devido à sua preciosidade e escassez, porém, ele não cria nada e, por isso, seu valor se mantém praticamente estagnado — em termos reais, isto é, acima da inflação.


Em vista disso, por mais que você troque seus Reais (BRL) por Dólares (USD) e veja um crescimento nominal de valor, esse ainda seria um mal investimento, pois perderia para a inflação. A medida que governos injetam mais moeda nas economias, a moeda perde seu valor. (Como em todos os mercados, oferta e demanda regem o valor da moeda. Se houver excesso de oferta de dinheiro, naturalmente que ele perderá seu valor através da inflação). Lembre-se de que o dinheiro só é útil enquanto houver coisas que se possam trocar por ele. Se não houver nada pelo que trocar, o dinheiro é inútil. Por isso produzir é tão importante.





Para Finalizar


Ficar trocando papéis (quaisquer que eles sejam) num curto período é uma receita para o fracasso. E seria impossível que todos vivessem disso pois então não haveria quem produzisse, e a produção é o núcleo quente da economia, é o que faz a roda girar. A produção é que traz o alimento que comemos, a roupa que vestimos e nossa morada. Alguém precisa fazer esse trabalho. "Mas existe uma minoria que ganha dinheiro com trade", talvez alguém diga. Como diria Bastter, a excessão é o exemplo do burro. A chance de você ser a maioria é de uns 95%. Parece lógico tentar isso? O otimismo de crer que sim não te fará parte dos 5%.


Além de tudo isso, recorda-se de algum dentre os homens mais ricos do mundo que sejam traders? Em geral, esses são grandes empreendedores que geraram muito valor à sociedade. Alguns outros são grandes investidores, como Warren Buffet, mas são investidores de longuíssimo prazo. Chances são de que você ganhará muito mais dinheiro deixando ele paradinho, investindo no longo prazo — deixando seu dinheiro trabalhar por você e os juros compostos fazerem seu dever de casa — do que fazendo trades com frequência. Sem contar com as taxas a serem pagas em tantas corretagens. Haja custo! Investidores que mexem pouco em suas contas têm rentabilidade melhor (InfoMoney; Business Insider).


Observe este gráfico:

Fonte: Forbes. "Probabilidade de retorno negativo do S&P500 por número de anos investidos".


A chance de perder dinheiro no mercado de ações se reduz a medida que se investe por maior período de tempo, e o oposto também é verdade (quanto menor o período investido, maior a chance de perder dinheiro). Um dos estudos trazidos pela matéria da CNBC mostra que investidores que negociam com frequência perdem para o retorno médio do mercado. A realidade é que investir é chato e sem graça.


"Investing should be dull. It shouldn't be exciting. Investing should be more like watching paint dry or grass grow. If you want excitement, take $800 and go to Las Vegas... It is not easy to get rich in Las Vegas, at Churchill Downs, or at the local Merrill Lynch office." — Paul Samuelson

Investir é o ato de dar função ao dinheiro, e não um método para ficar rico rápido. Trocar papéis de mãos não cria riqueza. Por isso o trading é um jogo de soma zero. Tudo que o trade faz é tirar papel de uma mão e colocar em outra — confere liquidez aos mercados. Mas a verdadeira riqueza vem do trabalho.

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